Notícias: Garantia Fiduciária de grãos e a Recuperação Judicial

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Em 2017 chegou ao STJ discussão acerca da competência do juízo da Recuperação Judicial para deliberar sobre a inclusão ou não, dentro dos créditos abarcados pelo processo de recuperação judicial, de valores representados por títulos – CPRs – objeto de cessão fiduciária.

 

No caso em questão, a instituição financeira credora buscou a execução dos créditos representados pelas CPRs, que tinham como objeto a entrega de soja e milho, enquanto já processado pedido de recuperação judicial de grande empresa do setor agro.

 

O juízo titular da vara onde tramitava o processo de execução, em medida cautelar anterior a própria execução, havia deferido liminar garantindo o arresto dos grãos.

 

A recuperanda ingressou então com conflito positivo de competência alegando que o juízo da vara onde tramitava a Recuperação Judicial deveria ser aquele competente para avaliar a extraconcursalidade dos créditos ou mesmo o caráter indispensável dos objetos do arresto para manutenção e continuidade da empresa.

 

A questão, como dito, chegou ao STJ, em princípio para avaliar basicamente o conflito positivo de competência, mas teve como desdobramentos óbvios a avaliação de aspectos importantes relativos ao instituto da garantia fiduciária e do conceito de bens de capital, ambos previstos em situações diferentes dentro da Lei de Recuperação Judicial e Falências.

 

O caso foi decidido recentemente, transitando a decisão em julgado em outubro de 2018, com decisão dividida para determinar o juízo da recuperação judicial como competente.

 

Como dito, a decisão, ao fim e ao cabo, não se resumiu, do ponto de vista jurídico mais amplo, a determinar qual o juízo competente. Ela deverá servir como mais um balizador acerca da análise da garantia fiduciária dentro do “mundo particular” da Recuperação Judicial, e ainda e não menos importante, sobre a avaliação daquilo que é de fato considerado como bem de capital, indispensável para manutenção da recuperanda.

 

A decisão dividida traz enfoques diversos sobre o tema, mas que convergem no sentido de que, primeiro, a garantia fiduciária, de bens móveis, imóveis, ou como no caso da ação, grãos, permanece válida, hígida e segura no que diz respeito a sua extraconcursalidade.

 

Essa garantia está assentada tanto nas disposições da legislação que rege o tema, ou seja, Código Civil, Lei 4.728/65 e Lei de Recuperação Judicial e Falência, quanto na jurisprudência massiva do Superior Tribunal de Justiça.

 

A discussão então seguiu para avaliação sobre a característica dos bens dados em garantia, se considerados bens de capital, essenciais ou não a manutenção da atividade.

 

Nessa esteira, caso considerados bens de capital e essenciais a continuidade da sociedade empresária, cabe ao juízo da Recuperação Judicial apreciar a questão e portanto, caberia a ele a competência, do contrário, em não se entendendo por essa essencialidade, fica estabelecida a competência do juízo onde tramita a ação onde se busca a excussão da garantia.

 

No caso paradigma, os votos vencedores foram no sentido de que caberia ao juízo da recuperação avaliar a essencialidade dos bens, sem, contudo, se deter no mérito da conceituação desta essencialidade.

 

Todavia, coube aos votos vencidos a tarefa de trazer a conceituação que aqui nos interessa e que, de forma positiva, pode trazer alguma luz sobre o debate mais profundo de mérito.

 

Tais votos se deram no sentido de estreitar, no sentido da conceituação econômica, a análise, não só da essencialidade, mas do que vem a ser o bem de capital, para aplicação mais assertiva da lei.

 

Nessa linha, de modo resumido, entenderam os E. Ministros que seriam bens de capital essenciais os bens corpóreos (móveis ou imóveis) empregados no processo produtivo da empresa, encontrados na posse desta.  Com esta concepção, passa-se ao entendimento que a cessão das CPRs de grãos, ou seja, direitos creditórios, incorpóreos e infungíveis por excelência, não podem ser compreendidos como bens de capital, utilizados no processo produtivo da recuperanda.

 

Indo além, entenderam ainda que pela natureza dos bens – grãos de milho e soja -  e a atividade da empresa recuperanda, os mesmos são ou seriam destinados a comercialização, não se inserindo em processos produtivos, não se podendo confundir tal conceituação.

 

Fica aqui mais um capítulo, ainda em aberto, mas com fortes indícios do entendimento que poderá a vir a ser sedimentado no ordenamento jurídico, por um lado, mantendo a força da garantia fiduciária e garantindo aos credores uma posição diferenciada, por outro, servindo de alerta aos empresários do setor agrícola, no sentido de que nem tudo será aceito como bem indispensável.

 

Segue link com as informações processuais - https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201701799767

 

Maurício Marques Sbeghen

OAB/RS 62.175

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Bens dados em garantia cedular em CPR são impenhoráveis

28 julho 2018Geral

Cédula de produto rural é impenhorável por lei e não pode ser usada para satisfazer crédito trabalhista

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR), são impenhoráveis em virtude da Lei 8.929/1994, não podendo ser usados para satisfazer crédito trabalhista.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu que a impenhorabilidade de bens empenhados em CPR por uma cooperativa seria relativa, não prevalecendo diante da preferência do crédito trabalhista.

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a instituição dos títulos de financiamento rural pelo Decreto-Lei 167/1967 reformou a política agrícola do Brasil, conduzindo-a ao financiamento privado. Essa orientação, explicou, ganhou mais força com a CPR, estabelecida na Lei 8.929/1994.

Para ele, “a criação dos novos títulos de crédito foi uma das providências eleitas pelo legislador com o escopo de munir os agentes do setor agropecuário de instrumento facilitador para captação de recursos necessários ao desenvolvimento de sua atividade”.

Impenhorabilidade absoluta

Em seu voto, o relator citou precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 1985 – quando a corte ainda era responsável pela interpretação do direito infraconstitucional –, posicionou-se sobre o artigo 69 do Decreto-Lei 167/1967, esclarecendo que a norma é “imperativa no sentido da impenhorabilidade dos bens dados em garantia hipotecária ou pignoratícia mediante cédula de crédito rural”.

Após citar outros julgados do STF nesse sentido, o ministro lembrou as lições de Aliomar Baleeiro, para quem a impenhorabilidade legal é absoluta, em oposição à impenhorabilidade por simples vontade individual.

“Nesse ponto, é importante salientar que não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária, e não legal, por envolver ato pessoal de constituição do ônus por parte do garante, ao oferecer os bens ao credor. A parte voluntária do ato é a constituição da garantia real, que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. Esta, indubitavelmente, decorre da lei, e só dela”, disse.

Para o ministro, o entendimento deve ser idêntico em relação aos créditos trabalhistas, pois os bens que garantem a CPR tampouco responderão por tais dívidas, conforme o artigo 648 do Código de Processo Civil de 1973 e o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Mudança de jurisprudência

Luis Felipe Salomão lembrou precedentes de 2003 e 2005 do STJ que reconheceram a preferência dos créditos trabalhistas e declararam a penhorabilidade dos bens que garantiam o título de crédito, bem como citou julgado de 2006 sobre a impenhorabilidade relativa das cédulas rurais frente ao crédito tributário.

“Penso que a posição firmada anteriormente não representou interpretação finalística da lei, dada a inobservância das razões de criação da cédula de produto rural, desconsiderando-se que, aos referidos bens, o ordenamento jurídico imprimiu função que se sobrepõe à satisfação do crédito particular, ainda que de natureza alimentar”, afirmou o relator.

Salomão ainda destacou que o acórdão recorrido – por considerar insubsistente a possibilidade de penhora dos bens com base estritamente na ordem de preferência dos créditos – não observou que os bens dados em garantia real vinculada à cédula de produto rural são absolutamente impenhoráveis por lei e não somente gravados como ônus real.

“Com efeito, os bens dados em garantia cedular rural, vinculados à CPR, são impenhoráveis em virtude de lei, mais propriamente do interesse público de estimular essa modalidade de crédito, a bem de setor de enorme relevância”, ressaltou.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1327643

 

Maurício Marques Sbeghen

OAB/RS 62.175

Confira o link da matéria: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/C%C3%A9dula-de-produto-rural-%C3%A9-impenhor%C3%A1vel-por-lei-e-n%C3%A3o-pode-ser-usada-para-satisfazer-cr%C3%A9dito-trabalhista

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